QUE É UMA SITUAÇÃO ESTRATÉGICA?


1.     Introdução

A cada vez mais elevada complexidade dos fenómenos sociais, gera situações cuja explicação é também cada vez mais ininteligível, em especial, quando os fenómenos ou suas consequências influem situações aparentemente não relacionadas.
Para explicar as realidade que então se apresentam, normalmente empregam-se ferramentas, algumas delas em forma de conceitos, entre os que se encontra o de «situação estratégica».  
Com efeito, e em função do meio a que pertencem os afectados, o termo é empregado pretendendo descrever situações diversas e díspares, tais como gravidade, dificuldade, importância, sucesso, etc.
Esta realidade, coloca assim a necessidade de se indagar: o que é então uma «situação estratégica»?
O presente texto persegue o objetivo de dar resposta à questão levantada. Para o efeito, considera-se essencial abordar um conceito anterior àquele ou, dito de outro modo, que o enforma - refira-se - o conceito de estratégia.
Embora o termo atenda às mais diversas esferas da nossa realidade, propomo-nos aborda-lo no campo do Estado, tal como definido por Lara, isto é, a «toda a população de nacionais fixa num dado território, onde existe uma  autoridade soberana que tem a missão de assegurar a satisfação das necessidades coletivas, gerais e abstratas, de justiça, segurança e bem-estar material e espiritual» (Lara, 2004, 211).
De modo a apresentar a operacionalidade do conceito, recorre-se ao exemplo o das Comunidades Económicas Regionais (CER), ou outros Mecanismos de Cooperação, particularmente porque interessa ao trabalho futuro.

2.     Estratégia, o conceito

O termo estratégia vem do grego antigo «stratègós» (de «stratos», exército, e «ago», liderança, general ou comando, tendo significado inicialmente «a arte do general») e designava o comandante militar, à época da democracia ateniense.
O idioma grego apresenta diversas variações, como «strategicós,» ou próprio do general chefe; «stratégema», ou estratagema, ardil de guerra; «stratiá», ou expedição militar; «stráutema», ou exército em campanha; «stratégion», ou tenda do general, dentre outras.
A estratégia como conceito, à primeira vista, parece ser um termo estabilizado, ou seja, de sentido consensual e único, de tal modo que, na maior parte das vezes, entende-se ser escusada a sua definição. Contudo, um pouco de atenção ao sentido em que a palavra é usada permite, desde logo, perceber que não existe qualquer uniformidade, podendo o mesmo termo referir-se a situações muito diversas. Se para uma leitura apressada o facto não traz transtornos, para o estudante destas matérias, particularmente quando, como no caso, se pretende apreciar o impacto de um objetivo político, a definição rigorosa do conceito é o primeiro passo para o êxito. Desta forma, das várias acepções do conceito, apresentam-se somente algumas que se consideram complementares - para evitar um alongamento desnecessário do texto.
Clausewitz, apontado como o autor do termo Estratégia, definiu-a como sendo «a teoria relativa à utilização dos combates ao serviço da guerra» (Barrento, 2010, 100). Por sua vez Moltke, aprofundando o conceito, referiu não só o combate mas os meios para a sua realização, ao defini-la como «a adaptação prática dos meios postos à disposição dos generais para alcançar os fins da guerra»[1].
Até ali tratada como estritamente ligada ao tempo de guerra, Edward Earl libertou-a ao afirmar que «... no Mundo atual, a estratégia é a arte de controlar e utilizar os recursos de uma Nação – ou coligação de nações - incluindo as suas forças armadas, de modo a que os seus interesses vitais sejam suficientemente promovidos e garantidos contra inimigos reais, potenciais ou meramente presumíveis»[2]. No mesmo quadro, o General André Beaufre definiu a estratégia como «a arte da dialéctica das vontades valendo-se da força para resolver o seu conflito» (Beaufre, 1965).
Como pode apreciar-se, a abordagem do conceito de estratégia correspondeu essencialmente, à sua vertente como arte. Por outro lado, qualquer das definições apresentadas mostra claramente que a Estratégia aplica-se nos casos em que existe «dialéctica das vontades» e, como refere Moltke, ela pressupõe a necessidade de  obtenção de meios cuja responsabilidade de prover não corresponde aos generais, que somente se ocuparão de os adaptar à missão. Importa referir ainda, que a Estratégia, no dizer dos teóricos até agora apresentados, serve para a guerra, no sentido da luta armada, destinada à consecução de objetivos políticos (definidos pela política). Entretanto, evoluções posteriores mostraram novas latitudes da estratégia, pelo que o general Cabral Couto a definiu como a «ciência e arte de desenvolver e utilizar as forças morais e materiais de uma unidade política ou coligação, a fim de se atingirem objectivos políticos que suscitam, ou podem suscitar, a hostilidade de uma outra vontade política» (Couto, 1988).
O Dicionário Webster, por sua vez, aprofunda o esclarecimento sobre os meios a empregar pela estratégia, assim como o momento em que se emprego, ao defini-la como «a ciência e a arte de empregar as forças políticas, económicas, psicológicas e militares de una nação ou de um grupo de nações para dar o máximo suporte às políticas adoptadas em tempos de paz ou de guerra». Esta definição, que claramente anuncia que a Estratégia não serve somente o tempo de guerra, dá a ideia de que serve de suporte às políticas adoptadas por uma nação ou grupo de nações, em qualquer circunstância.
O Glossário de Seleção de Termos Sobre a Segurança e Defesa Nacional, do Colégio de Defesa Nacional da República de Cuba (2009), define o conceito de Estratégia como sendo: «a arte de preparar e empregar o poderio nacional para alcançar e preservar os objectivos nacionais, em correspondência com a política traçada pela direção do país». Por outro lado, os Estados Unidos da América (EUA) definiram-na como «a arte e a ciência de desenvolver e empregar o poderio político, económico e psicológico da nação, em conjunto com as suas forças armadas, tanto no período de paz como de guerra, para alcançar objectivos nacionais».
As duas últimas definições, especialmente, manifestam de uma forma clara uma divisão da estratégia em disciplinas, nomeadamente a genética, a estrutural e a operacional, ao referir-se-lhe a função de preparar (dispor, aprontar, organizar)/desenvolver e empregar os meios (para alcançar os objetivos nacionais). Entretanto, na sua apreciação importa realçar o facto dos cubanos tão-somente colocarem-na no campo da arte, diferentemente dos norte-americanos que,  sem divergir - num primeiro momento - a colocam ao nível da ciência. É ainda importante realçar que, para os norte-americanos, somente existe estratégia quando o poderio da nação é empregue «... em conjunto com as suas forças armadas».
A Estratégia foi definida pelo Regulamento do Exército Alemão, de 1936, como «uma actividade de livre criatividade baseada em fundamentos científicos». Efetivamente, como refere Silva Ribeiro, ela possui um objeto preciso, susceptível de investigação e análise com recurso a ferramentas teóricas e a práticas independentes, ciclicamente transformadas pela atividade intelectual, para além de integrar um método de investigação e análise que explica convenientemente os fenómenos estratégicos (factos e acontecimentos), quanto à sua essência, causalidade e efeitos. (Ribeiro, 2009)[3]
Assim mesmo, é importante realçar a necessidade, no caso da sua aplicação, de atender à sua vertente artística pois, como ciência, a Estratégia, por um lado, enferma de limitações estruturais, resultantes da insuficiência de dados (sobretudo dos que se referem aos fatores que habilitam a decisão dos atores contrários), da diversidade de soluções estratégicas (decorrente das diferentes possibilidades de articulação dos fatores que habilitam quer a decisão própria, quer a do contrário), da irracionalidade acidental ou deliberada das ações contrárias e da personalização das decisões (resultante destas incorporarem a subjetividade decorrente do gosto pelo risco e do valor que cada responsável politico e estratégico atribui ao que está em jogo em cada momento) e, por outro, enferma também das limitações operacionais que resultam do facto de que, como refere o general Cabral Couto «nem todos, apesar de informados pelo mesmo conhecimento científico, são capazes de exercer a estratégia da mesma e da melhor maneira»[4]. Deste modo, a aplicação do conhecimento científico aos fenómenos estratégicos, obriga aqueles que utilizam a estratégia, a apreciar de forma combinada os diversos factores que  habilitam a decisão considerando quer a parte objetiva, quer a subjetiva, dos critérios de adequabilidade, exequibilidade e aceitabilidade, o que pressupõe criatividade (leia-se arte).
Considerando o atrás referido, e de forma mais clara quanto às suas disciplinas, factores de emprego (de decisão), objectivos, finalidades e condição de emprego, Silva Ribeiro define estratégia como «a ciência e arte de edificar, dispor e empregar os meios de coação, num dado meio e tempo, para se materializarem objetivos fixados pela política, superando problemas e explorando eventualidades, em ambiente de desacordo» (Ribeiro, 2009).
Como nos propõe Ribeiro (2009), à Estratégia corresponde a edificação (construção, aquisição) e disposição (organização) dos meios de coação (de quê), num dado meio (onde), e tempo (quando), para se materializarem objetivos fixados pela política (para quê), superando problemas e explorando eventualidades (aplicados a/com a finalidade de), em ambiente de desacordo (circunstância).
Esta definição, para além de referir a natureza dupla da Estratégia (ciência e arte), não a subordina ao emprego das forças armadas, como a norte-americana, nem ao tempo de guerra, como outras que apresentamos atrás. Importa entretanto realçar que a estratégia, no dizer de Ribeiro (2009) está condicionada a uma finalidade, a de empregar os meios de coação para superar problemas e explorar eventualidade, ante um ambiente de desacordo.
Sendo a definição de Ribeiro (2009) aquela que melhor exprime o sentido do conceito de «situação estratégica», que o texto aborda, fazemo-la a referência da presente análise.


3. Situação estratégica

Como atrás referido, e decorrente da definição de Ribeiro (2009) para o conceito de Estratégia, a situação estratégica pressupõe a existência de um ambiente de desacordo e, evidentemente, atores diferentes.
Charnay chamou a estes atores «entidades estratégicas», que definiu como sendo «todo o conjunto humano individualizável - da pessoa à constelação de povos ou de nações - que podem ser sujeitos ou objetos no resultado histórico, jogadores de um jogo, polos de decisão por si ou polos de suscitação para outros»[5].
 Os processos que  geram situações estratégicas são aqueles de tendência disjuntiva, isto é, que se desenvolvem questionando a normalidade reconhecida e aceite pelos atores internacionais, pelo que contribuem para alterar a ordem internacional estabelecida. Neste tipo de processo, embora existam elementos conjuntivos, eles são minimizados pelo recurso à coação - com exploração da força material e mental - que fomenta o estado de desacordo no sistema internacional, associado à prossecução de objetivos divergentes (Ribeiro, 2009). As relações entre os atores neste tipo de processos são de conflito, de oposição ou de competição, em função dos quais os mesmos apresentam-se como inimigos, antagonistas ou adversários, respectivamente.
Nas relações de conflito, os inimigos litigam por objetivos que consideram vitais, pelos quais obrigam à capitulação[6] nas ambições do contrário, através da sua destruição[7] ou domínio[8]. Este tipo de relação, não considera de imediato a luta armada como forma de guerra, embora seja nele que ela ocorre. Nas relações de oposição, os antagonistas envolvem-se em diferendos para resolver ou impor interesses que consideram importantes. Considerada por Ribeiro (2009) como uma forma suave de conflito, os atores em diferendo protagonizam uma ameaça sob a forma de obstáculo, buscando a ineficiência das ambições do contrário, «que pode ter como efeitos básicos o comando ou controlo, que incide preferencialmente sobre regiões geográficas»(Ribeiro, 2009, 207). Ao comandar o contrário, um ator dirige superiormente o outro, condicionando os seus interesses; enquanto que, ao exercer o controlo sobre o antagonista, o outro ator o dirige superiormente, condicionando parcelarmente os seus interesses[9]. Nas relações de competição, em que os atores agem como adversários uns dos outros, eles disputam por alcançar os mesmos objetivos que, entretanto, consideram como secundários. Neste tipo de relação os atores não se centram no contrário, diferentemente do que ocorre nas relações de conflito e de antagonismo, porque, segundo Holsti «aquilo que os adversários visam em primeiro lugar, são os objetivos que desejam e, só depois se consideram um ao outro, protagonizando uma ameaça sob a forma de dificuldade, que materializa o grau de negação associado à manifestação de rivalidade, numa luta que se caracteriza pela concorrência destinada a causar prejuízo nas respectivas ambições. Tal luta pode ter como efeitos básicos a instabilidade ou transformação, que incide, preferencialmente, sobre outros poderes nacionais» (Holsti, 1992)[10].
A título de exemplo, considera-se uma situação estratégica a criação, em 2006, da Comissão do Golfo da Guiné (CGG), pelos Chefes de Estado da República de Angola, República dos Camarões, República do Congo, República Democrática do Congo, República Gabonesa, República da Guiné Equatorial, República Federal da Nigéria e República Democrática de S. Tomé e Príncipe.
Não sendo a estratégia, segundo Charnay, «um assunto de escala de grandeza, mas dos comportamentos de entidades que alteram a intensidade das suas negociações ou das suas convergências e as suas uniões ou divergências recíprocas», a criação da CGG gera claramente um processo de tendência disjuntiva[11] do qual resulta uma situação estratégica. «Pois, estamos perante atores contrários, dotados de vontade e de capacidade, que dispõem de estruturas de comando habilitadas a tomar iniciativas e a reagir às ações realizadas de forma a negar reciprocamente a materialização de objetivos divergentes» (Ribeiro, 2009, 45).
Efetivamente, a criação daquele organismo permite identificar uma situação estratégica, resultante de um processo de tendência disjuntiva, decorrente da potencial existência de divergência de interesses (objetivos) [12] entre a nova unidade política que ao estabelecer-se, aumenta o poder de negociação (Porter, 1988), dos países produtores de petróleo da região – 25% das necessidades energéticas dos Estados Unidos da América - em relação aos atuais compradores, podendo materializar uma ameaça para aqueles.
Os interesses são o elemento nuclear das relações entre os atores. Baseado neles, ou na importância dos objetivos a materializar, e condicionados pelo seu poder, geografia, economia, história, cultura e ideologia, assim como a circunstância do momento, a mentalidade e personalidade dos seus dirigentes, a opinião pública e o direito, os atores apreciam a conveniência de alterar os seus interesse, e a necessidade de desenvolver pressões ou de resistir a pressões de natureza e intensidade diversas. Assim há de apreciar-se a relação entre a CGG e os outros atores na região do Golfo da Guiné, especialmente os compradores dos seus recursos energéticos.
À luz do exemplo atrás referido sobre a criação da CGG, uma vez que os objetivos que ela pretende alcançar apresentam-se real ou potencialmente em oposição aos de outros atores com interesse na sub-região, portanto, conformando uma situação estratégica, existirão entre aquela e os outros atores relações cuja natureza será  de conflito, oposição e de competição.
A natureza daquelas relações estará condicionada pelo «valor estratégico»[13] dos objetivos que os atores pretenderem alcançar num determinado momento. Neste quadro, sobre os atores penderão ameaças em forma de confrontos, obstáculos ou dificuldades. Estas, apresentando-se direta ou indiretamente, manifestar-se-ão através de hostilidades, resistência e rivalidades. Aos atores envolvidos nos litígios, disputas ou diferendos, caberá vencer confrontos, para evitar capitular (através da sua destruição ou do seu domínio pelos seus inimigos); contornar obstáculos, para fugir ao comando ou controlo por outros; ou diferir a ameaça (dificuldade), para evitar inconstâncias que dificultem a satisfação dos seus interesses, ou que obriguem a alterar (transformar) os seus interesses. Como refere Ribeiro (2009) na definição de Estratégia, «superar problemas».
Ainda baseado no conceito de Estratégia de Ribeiro (2009), é importante referir que, os atores envolvidos numa situação estratégica têm que considerar a exploração de eventualidades, aproveitando, as oportunidades; utilizando, os apoios; e relegando, as neutralidades que lhes apresentem.
Nas relações em que, como se refere o exemplo utilizado, podem ocorrer processos disjuntivos geradores de situações estratégicas, realizam-se ações de política externa, em que os atores realizam atos de comunicação (mensagens e negociações), e manifestações de força  (desenvolvimento e emprego) apoiados por recursos e informações (Ribeiro, 2009). Assim, também de acordo com Ribeiro, as ações de política externa diferem nas suas formas, não só pelo conteúdo da mensagem e pela natureza das negociações, mas, também, pelo tipo de atitude.
O poder das nações ou coligações em questão - apreciado aqui como «a soma dos atributos que capacita um Estado para atingir os seus objetivos externos sempre que eles se opõem aos objetivos e vontade de outro ator internacional»[14], e a ideologia, fornecem respectivamente, a forma de pressão a utilizar, que variam entre a persuasão e a coação, e as concepções sobre o rumo em que as ações são conduzidas. Deste modo, as relações entre os atores envolvidos numa situação estratégica, são pacíficas, quando em jogo se encontram objetivos relativos a interesses secundários, ou não-pacíficas, quando, pressupondo desacordo entre os atores,  um deles tenta impor ao outro a sua vontade, empregando formas belicosas (em que os meios militares têm preponderância sobre os restantes) ou não belicosas (em que se inscrevem os meios psicológicos, económicos, políticos e diplomáticos).
O atrás referido pressupõe que, em consequência dos processos resultantes da situação estratégica criada, por exemplo no caso do estabelecimento da CGG, aos decisores da Comissão será exigida a escolha de modalidades de ação (M/A) para materializar os objetivos que preconiza - o tratamento conjunto das questões relacionadas com a exploração e venda do petróleo, para referir algum.
As modalidades de ação, ou «manobras estratégicas» que, segundo Couteau-Bégarie[15], que proporcionam um esquema lógico de abordagem do problema estratégico que requere o emprego do poder nacional, desenvolvem-se no tempo - num momento determinado, a um ritmo determinado e com uma certa duração; com determinados meios e num dado meio - condições do ambiente em que se realizará a ação; para alcançar um objetivo fixado pela política, contra um contrário com determinados instrumentos de poder. O seu estabelecimento resulta da articulação dos factores de decisão, (objetivos, meios, meio, tempo e contrário), conforme os princípios e regras da estratégia, e permite aos planeadores estratégicos, nos níveis relevantes, apreciarem sobre os meios a empregar, para materializar o objetivo determinado pela política (missão), o local e as condições de emprego, assim como o momento, a duração, a velocidade da ação, considerado o contrário, pois é imprescindível prever as reações adversas dos atores à cada ação projetada e estar preparado para lhes fazer face, para alcançar a vantagem estratégica sobre o contrário.
Em relação aos princípios e regras da estratégia, atrás referidos, embora não haja consenso sobre a sua existência, considera-se que «elas orientam o processo criativo de articulação dos factores de decisão e servem de guia à formulação e operacionalização da estratégia», isto é, mesmo que não possam ser considerados doutrina, porque apenas fornecem linhas orientadoras do processo criativo «os princípios estratégicos[16] são essenciais para impor limites ao processo criativo, porque criatividade sem limites é uma tarefa demasiado arriscada, que pode conduzir a resultados catastróficos» (Ribeiro, 2009).
Relativamente ao cariz criativo do processo de estabelecimento da M/A, Sun Tzu referiu que: «aquele que souber quando lutar e quando não lutar, vencerá. Aquele que souber dispor de tropas grandes ou pequenas, vencerá. Aquele que tiver todo o exército unido em direção a um objetivo, vencerá. Aquele que estiver bem preparado para captar a oportunidade, vencerá. Aqueles cujos generais são capazes e não sofrem influência do governante, vencerá»[17]. Como se aprecia, para além de evidenciar os elementos subjetivos da avaliação necessária ao estabelecimento da modalidade de ação, Sun Tzu também realça alguns dos princípios e regras da estratégia. Estes dependem de um número extremamente elevado de factores, principalmente relacionados com os factores do poder nacional, pelo que não se pode afirmar da existência de teorias ou metodologias seguras destinadas à formulação ou operacionalização das modalidades de ação, sendo então possível, como atrás foi dito, obter diversas soluções estratégicas para um mesmo problema estratégico. Deste modo, aceita-se como princípios da estratégia, na condição atrás referida, o da importância do objetivo, o da economia de esforços e o da liberdade de ação. Associados aos princípios enunciados e de interesse prático porque destinados a orientar a operacionalização da estratégia, existem as regras da estratégia, que são mais concretas e susceptíveis de variar ao longo do tempo em função do estado da arte e da organização.
Aos atores decisores envolvidos numa situação estratégica, como atrás referido, competirá aprovar modelos de ação correspondentes às M/A que lhe apresentem os seus planeadores estratégicos. Para o efeito os decisores as sujeitarão às provas da estratégia, designadamente através da sua apreciação a partir dos critérios de adequabilidade, exequibilidade e aceitabilidade, para o que utilizarão as técnicas analíticas pertinentes.
A «adequabilidade» permite ao decisor aferir sobre a qualidade das M/A propostas para criar e manter vantagem estratégica e desenvolver-se, na medida em que considere os problemas e eventualidades (desafios do ambiente externo),  o desenvolvimento das potencialidades (sinergias internas da nação e da coligação, capacidades nacionais e da coligação, etc.), a minimização das vulnerabilidades e a ponderação do contexto político e social vigente, previsível e desejado. Por outro lado, a apreciação do «critério da adequabilidade», associado ao principio da importância do objetivo a materializar, aprecia o grau de ajuste dos meios a empregar com o objetivo - regra do equilíbrio; a coerência entre as ações, informações e apoios, no sentido da concretização do objetivo fixado - regra da comunalidade; a utilização da informações e dos atores estritamente necessários ao processo de seleção dos objetivos - regra da seletividade; a adaptabilidade dos recursos planificados às mudanças conjunturais imprevistas - regra da flexibilidade; a influencia para que, uma vez que se alcance o objetivo, se materialize o desequilíbrio do contrário e do poder por ele utilizável - regra do valor; a compatibilidade entre o objetivo fixado e o nível em que se realiza  a ação estratégica - regra da compatibilidade[18].
O «critério da exequibilidade» dá ao decisor a informação sobre a disponibilidade dos meios humanos e materiais, através da avaliação dos recursos e das capacidades necessária à materialização do objetivo fixado. Associado ao «princípio da economia de esforço», este critério avalia como a modalidade de ação em apreciação organiza e emprega os meios, isto é, como ela garante que os meios humanos e materiais sejam direcionados para cada objetivo de acordo com a prioridade fixada - regra da coordenação. À continuação, este critério avalia em que grau a modalidade de ação permite, com os meios humanos e materiais disponíveis: criar superioridade no local e momento em que é necessário para melhor materializar o objetivo prioritário fixado - regra da concentração; harmoniza-los de forma a que a sua utilização no local e momento assegurem a materialização do objetivo prioritário fixado - regra da orquestração; emprega-los no quadro de manobras estratégicas que não excedam a capacidade de compreensão e comando de quem as operacionaliza, nem dependam do sucesso de outras - regra da clareza; realizar ações inesperadas para o contrário, quando e onde for mais conveniente para adquirir uma vantagem desproporcionada que facilite a materialização do objetivo prioritário fixado - regra da surpresa.
O «critério da aceitabilidade», centrado na observância do «principio da liberdade da ação»[19], fornece ao decisor informação sobre a forma como a modalidade de ação proposta assegura: a aquisição, manutenção e exploração da iniciativa a maior parte do tempo e na maior área possível - regra da iniciativa; a minimização da vulnerabilidade dos planos, das ações e dos sistemas próprios à ação dos contrários - regra da segurança; a exploração das condições do meio para melhor materializar o objetivo prioritário fixado - regra do ponto conveniente; e a materialização das ações no tempo, ao ritmo e com a duração necessária à materialização do objetivo prioritário fixado - regra da administração do tempo.

4. Conclusões

O termo estratégia, que vem do grego antigo stratègós (de stratos, «exército», e ago, «liderança» «general» ou «comando» tendo significado inicialmente «a arte do general») e que designava o comandante militar, à época da democracia ateniense, evoluiu ao longo do tempo sem que se tivesse chegado a um conceito por todos aceite. Entretanto, no âmbito do presente texto emprega-se o conceito formulado por Ribeiro (2009), que define a Estratégia como «a ciência e arte de edificar, dispor e empregar os meios de coação, num dado meio e tempo, para se materializarem objetivos fixados pela política, superando problemas e explorando eventualidades, em ambiente de desacordo».
A operacionalização do conceito proporcionado por Ribeiro permitiu, como é objetivo central da análise, abordar e desenvolver o conceito de «situação estratégica», como sendo a resultante de um processo disjuntivo, proporcionado por entidades estratégicas cujos comportamentos provocam a alteração da intensidade das suas negociações ou das suas convergências e as suas uniões ou divergências recíprocas.
O exemplo da CGG permitiu verificar como a presumível ameaça gerada pela potencial agregação de países fornecedores de recursos energéticos, aumentando o seu poder de negociação perante os compradores, pode materializar uma situação estratégica.
Finalmente, desenvolvidos, na medida em que este exercício permitia, os factores que operacionalizam o conceito de situação estratégica, conclui-se que eles exigem dos atores decisores envolvidos o desenvolvimento de um processo estratégico, tendente ao estabelecimento de «Modelos de Ação Estratégica», baseados em Modalidades de Ação que, materializando «manobras estratégicas» proporcionam um esquema lógico de abordagem do problema estratégico que requere o emprego do poder nacional e que resultam da articulação dos factores de decisão, (objetivos, meios, meio, tempo e contrário), conforme os princípios e regras da estratégia. Assim, concluiu-se ainda que, de modo a informarem-se sobre a qualidade  das M/A propostas, é essencial que os decisores submetam-nas às provas da estratégia, designadamente através da sua apreciação a partir dos critérios de adequabilidade, exequibilidade e aceitabilidade, para o que utilizam diferentes técnicas analíticas.-

5. Bibliografia consultada

·      Beaufre, André (1965) An Introdution to Strategy (New York: Praeger).
·      Barrento, António (2010) Da Estratégia (Tribuna).
·      Couto, Francisco Cabral (1988) Elementos de Estratégia (Lisboa: IAEM).
·      Fernandes, António José (1995) Introdução à Ciência Política. Teoria, Métodos e Temáticas (Porto: Porto Editora).
·      Holsti, Kalevi Jaako (1992) International Politics: A Framework for Analisys VI edn (Londres: Prentice Hall International).
·      Lara, António de Sousa (2004) Ciências Políticas. Estudo da ordem e da subversão. (Lisboa: ISCSP).
·      Porter, Michael (1988) Ventaja Competitiva.
·      Ribeiro, António Silva (2009) Teoria Geral da Estratégia Almedina (Coimbra).




[1] Citado em (Barrento, 2010)
[2] Citado em (Barrento, 2010, 102)
[3] Citando (FERNANDES, 1995)
[4] In (Ribeiro, 2009, 26–27)
[5] CHARNAY, Jean Paul, citado em (Ribeiro, 2009, 45).
[6] Esta situação, segundo Cabral Couto, pode ser alcançada: criando um risco de esmagamento físico do inimigo, decorrente da destruição ou ameaça de destruição dos seus meios materiais de reação; criando um risco de asfixia económica, resultante da impossibilidade de inimigo sustentar os meios de reação de que dispõe; procurando a substituição do interlocutor, por forma a que as chefias inimigas sejam favoráveis aos pontos de vista do contrário; originando um estado psicológico de capitulação, resultante da deterioração das forças morais contrárias. In RIBEIRO, António Silva. Teoria Geral de Estratégia, 2009, p.206.
[7] O que ocorre com a supressão do contrário, eliminando os seus interesses. (Ribeiro, 2009, 206).
[8] Situação em que um dos atores passa a mandar soberanamente no outro, impondo-lhe coercivamente os seus interesses.
[9] idem
[10] Citado por RIBEIRO, António Silva in Teoria Geral de Estratégia, p.207.
[11] Utilizamos o termo tendência porque não se pode afirmar a existência de processos puramente disjuntivos ou, ao contrário, puramente conjuntivos. Os processos conjuntivos geram situações políticas e não estratégicas, em que as relações entre os atores são de cooperação, acomodação ou assimilação.
[12] Edward Earl refere a promoção e garantia dos interesses vitais contra inimigos reais, potenciais ou meramente presumíveis. In (Barrento, 2010, 102).
[13] Segundo Charnay, o «valor estratégico», que deriva das grandes arquiteturas filosóficas ou religiosas, éticas ou normativas, é que legitima a causa do conflito, regula a intensidade da negação ou a vontade de persuasão e fixa os seus limites. Ele é aquilo porque nos batemos e mostra, ao mesmo tempo, os fins a alcançar e os limites a não transgredir. Citado por RIBEIRO, António Silva. Teoria Geral da Estratégia, 2009, p.47.
[14] Citado por FONTOURA, Luís. O poder na relação externa do Estado. A equação de Cline, 2007, p.7.
[15] Citado por Ribeiro, António Silva.
[16] Preceitos primários que expressam uma ideia fundamental e universal, não vinculada no tempo histórico, nem influenciada pela tecnologia, extensível a todos os domínios de ação, cujo campo preferencial é o da formulação estratégica.
[17] Citado por RIBEIRO, António Silva. Teoria Geral de Estratégia, 2009, p.103.
[18] É possível obter informação mais profunda sobre a matéria lendo Johnson, Gerry e SCHOLES, Kevan. Exploring Technics of Analysis and Evaluation in Strategic Management. Londres, Financial Times. Prentice Hall, 1998.
[19] Este principio está relacionado com os fatores que apoiam a ação própria e dificultam a do contrário.

G. Veríssimo
Dissertação sobre Teoria Geral de Estratégia
Orientador: Prof. Cat. Doutor A. Silva Ribeiro - ISCSP/UTL